Clara Pinto Correia disse, uma vez, com muito apropósito, aliás, qualquer coisa como o "fado sem tascas, facadas, marialvismo e pancada na mulher não tem graça nenhuma".
O problema da História como uma ciência que está, num certo sentido muito preciso, destinada a, de um modo ou de outro, iluminar às pessoas e às sociedades por elas formadas o caminho a seguir por umas e outras na sua relação directa com a---no seu percurso ao longo da---realidade; o problema da História, dizia, está, em última análise, sempre na atitude crítica relativamente aos objectos que a compõem e ao modo como foram [e são!] organizados entre si em estruturas e sequências simultaneamente objectuais [e objectuáveis!] mas também causantes, não na sua supressão ou elisão, na sua "mise en parenthèses", no seu "empochement" supressivo, como tantas vezes acontece na nossa, ainda hoje abstractamente "contra-reformística" e residuantemente "canónica" sociedade mental e política.
"She Wears My Ring", por exemplo, é uma canção machista que confere expressão estética a formas [muito incompleta e, num certo sentido, muito imperfeitamente, aliás] "simbolicizadas" e sublimadas de "opressão de género", perfeitamente reconhecível na ideia de "ferrar" ["to brand"] a mulher usando o "anel" do título para identificar a "posse", de resto, outro termo carregado de "significado" cultu[r] al e político?
É evidente que sim!
Agora, como comecei por dizer, a História não pode [não deve legitima e sobretudo saudavelmente] ser feita "para trás" tal como a realidade em geral não está obrigada a recomeçar a cada momento e a cada geração.
O segredo da História boa é, como também deixo dito, o ela ser superada criticamamente, em caso algum, roubada a si mesma e contínua mas também traiçoeiramente "limpa" por completo de alto abaixo a cada remergência cíclica dela em si mesma.
Se na canção que aqui vem cantar-nos Solomon King soubermos ver o [aliás formal e vocalmente lindíssimo!] objecto cultu[r] al de época; se soubermos, aqui como em tudo na vida, distanciar-nos o suficiente para permanecermos íntegros, lúcidos e sempre [e apenas!]criticamente próximos, "She Wears My Ring" surge, então, como aquilo que ela, basicamente, é, i.e. um belíssimo "pedaço de música", excepcionalmente bem cantado.
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