Foi um dos filmes mais polémicos exibidos entre nós, antes de '74.
Dos mais belos, também.
Dos mais belos, também.
Em "Bonnie & Clyde", Penn reencontra, politizando-a subtilmente, a tradição do fora de lei romântico, trágico, fatalmente devorado por um sistema económico, social e político que, directa ou indirectamente, o cria, o gera mas, depois, é completamente incapaz de reintegrá-lo em si---uma espécie de [quase] Michael Kohlaas "Smalltown, U.S.A. anos 20" a quem Penn agrega uns eficientíssimos toques de Robin Hood "and his merry men---and women"...---que potenciam muito esclarecidamente, enquanto dispositivo narrativo, reforçando-o ulteriormente, o lado intrinsecamente humano da personagem aqui plasmado na gesta do "desperado" que sai do sistema ou que, num certo sentido, se suicida [quase] "ritualmente", saindo dele.
Não por acaso, a meu ver, surge à época uma pequena "série" ou breve "ciclo" de filmes em que os 'heróis' são foras da lei e do "sistema"---um "ciclo" que inclui, por exemplo, este fabuloso filme de Penn ou um outro interessantíssiomo embora globalmente menos conseguido de George Roy Hill, "Butch Cassidy and the Sundance Kid" para já não falar no magnífico "The Sting" do mesmo Roy Hill onde,. ao contrário dos anteriores, há um [quase?] "happy end" mas em que a justiça é feita pelos próprios foras-da-lei, neste caso os fabulosos "bons malandros" a que a dupla Paul Newman/Robert Redford deu rosto.
O que há que legitime a integração de "The Sting"---para mim, devo dizer, um dos, digamos: 100 melhores filmes de sempre---no "ciclo" em causa é, além dessa em si mesma nada despicienda circunstância de a justiça ser entregue a confessos vigaristas [note-se que aqui o facto obedece a uma lógica argumentativa radicalmente diferente da que move, por exemplo, Lang em "M..." onde o motivo, de igual modo, ocorre] o facto de os "bons" serem maus [Snyder, o polícia corrupto] e os "maus", em muitos casos, afinal, os... bons, agindo desinteressadamente, por amizade e sentido de camaradagem entre marginais, estes últimos clara [e, se calhar, nada gratuitamente...] humanizados.
Em "Bonnie & Clyde" [um filme que escandalizou José Régio quando passou entre nós...] Penn confere uma espécie de expressão histórica e socialmente actualizada---cultu[r]almente muito bem contextualizada---ao que existe de intrinsecamente orgástico e quase "festivo" na explosão das forças inconscientes inevitavelmente reprimidas [oprimidas] pelo processo de organização das sociedades humanas [de qualquer processo de organização social] e por maioria de razão num que é estruturalmente desigual e injusto [algo que fica, aliás, muito bem expresso no filme na sequência do despejo do negro e dos tiros dados por Clyde na placa do banco].
Bonnie Parker [que curiosamente até escreveu poesia...] e Clyde Barrow são, de algum modo, também Fitzgerald & Zelda, a geração perdida e/ou os "beautiful and damned" do crime sendo que um dos grandes méritos de Penn consiste precisamente em ter sabido filmar e montar ou aceitar ver montado exactamente como está [por uma talentosíssima recentemente falecida Dede Allen] esse ritmo loucamente suicidário, essa emergência recorrente ao longo de todo o filme, da fúria orgasticamente suicidária tragicamente irregressível que envolve o percurso da marginalidade activa nas sociedades contemporâneas, falsamente liberais ou mesmo falsamente livres, de um modo geral.
No filme vida e morte, alegria e dor, comédia e tragédia são elementos que se encontram habilmente entrelaçados, vertidos para Cinema num ritmo de montagem verdadeiramente alucinante que constitui, a meu ver, uma das grandes qualidades do filme enquanto tal i.e. enquanto objecto cinematográfico absolutamente referencial---e [para quem gosta de Cinema, já agora] também, muito justa e muito justificadamente... reverencial.
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