quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

"A Crise Presente do Capitalismo e a Questão da Propriedade" [Inc. não-revisto]


Na SIC, ouvi hoje Medina Carreira [acompanhado do antigo ministro de Sócrates, Campos e Cunha, um indivíduo pelo qual, devo dizer, não nutro particular simpatia, pessoal ou política] proporem medidas de contenção orçamental do tipo redução proporcional dos benefícios sociais garantidos pelo Estado aos cidadãos.

Diz M. Carreira que a não ser assim, a falência do Estado é iminente.

Ora, eu até sou capaz de aceitar que uma regressão de ordem social e política desse tipo [regressão # progressão, avanço ou mesmo revolução...] seja, hoje-por-hoje, por demonstrável "má cabeça" de sucessivos governos, imperativa e mesmo urgente.

Admito-o ou melhor: admiti-lo-ia se se tratasse de uma medida inserida num projecto global consistente, honestamente negociado---"contratado"---com o conjunto da sociedade portuguesa, com base em números honestamente apresentados e um plano de objectivos precisos adequada e consensualmente traçado e, depois, levado à prática.

Um projecto onde, de uma forma muito clara e perfeitamente assumida [e aqui é que bate o ponto: o ponto bate sempre aqui!] a propriedade constasse como uma das três variáveis orgânicas inseridas na negociação.

Não apenas a despesa e a receita: a propriedade também.

Por que carga d' água [perdoe-se-me a vulgaridade da expressão!] há-de um projecto de suposta recuperação orçamental assentar exclusivamente naquelas que são variáveis cujo ónus directo recai sempre sobre as mesmas classes?

Podemos até admitir com alguma direita mais ou menos 'utópica' e voluntarista que "o proletariado acabou" e que hoje "é tudo burguesia"; o que não podemos negar é que há diferenças substantivas na distribuição da propriedade e que o trabalho e/ou os benefícios de natureza social a ele associáveis [pensões, subsídio de desemprego, etc.] são, por definição, a única fonte de rendimento de quem não dispõe da 'propriedade da propriedade'.

Esta, em princípio não responde pela negativa [não é, pelo menos, a primeira a fazê-lo] às crises.

Claro que o dono da casa para alugar pode, numa crise, ver reduzidos os lucros desse aluguer se o mercado o impuser ou até ver-se de todo, circunstancialmente, privado dele se o seu inquilino ou inquilinos cairem no desemprego de deixatrem de poder pagar a respectiva renda.

Mas o andar permanece lá, isto é, não , como disse, não responde de imediato negativamente à crise ainda que parte da propriedade que ele é ou configura [o lucro que gera] possa ser por ela secundariamente afectado.

Ora, aquilo que eu defendo é que os teóricos da economia a quem compete conceber os planos de reequilíbrio ou saneamento orçamental passem a considerar em todos os casos a propriedade naquela dupla configuração de propriedade em si + lucro para efeitos do seu trabalho específico.

Tomemos o já citado caso das rendas de casa, por exemplo: uma casa alugada está objectivamente paga ao fim de xis anos.

A partir daí começa a gerar lucro que é parte teórica ou abstracta da propriedade em si, da propriedade material que custou dinheiro.

De uma perspectiva social, sobretudo de crise, quando as classes não-possidentes contribuem para resolvê-la com a sua parte na receita [aceitando v.g. baixar salários ou pensões] e a sua parte na despesa [aceitando ver reduzido outro tipo de prestação social] não se percebe por que razão as rendas de casa devem subir multiplicando continuamente a própria propriedade-base de que são parte enquanto os que não dispõem dela vêem descer o que no seu caso lhe corresponde que são os benefícios sociais, a única forma de propriedade de que dispõem.

Na realidade, as rendas de casa deviam sempre ir descendo em vez de subir o que poderia ser realizado através do aumento progressivo da carga fiscal a aplicar às casas de aluguer, contribuindo, desse modo, a propriedade para o aumento da receita pública.

Muita gente teme o socialismo [não falo do embuste ideológico e institucional que leva o seu nome e está presentemente no poder em Portugal: falo das formas genuinas e sérias de socialismo] porque tenm receio de que ele lhes tire as casas ou até o carro.

Ora, o verdadeiro socialismo não tira nem a casa nem o carro seja a quem for.

Não os tira, seguramente, a quem tem casas e carros em quantidades que não constituam escândalo ou falta de decoro social.

Mas pode e deve prestar-se a reequilibrar o rendinmento dos cidadãos actuando sobre a "coroa imaterial" da propriedade---no caso do nosso exemplo, introduzindo factores de correcção desejavelmente repositores de algum equilíbrio global, indexando, de algum modo, os sacrifícios das classes não-possidentes aos das classes possidentes.

A Esquerda e o pensamento de Esquerda são isto---operam deste modo---ao invés da verdadeira fantochada que é ou que são as "Solução" da direita, seja ela a direita pura-e-dura de "pê-ésse-dês" e "cê-dê-ésses" seja a direita "neo-liberal social", instalada no poder.

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