quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

"«Rio Bravo» de Hawks ou a Ir/Realidade no Seu Melhor..."


Digam o que disserem é um filme verdadeiramente notável!

Uma obra que [como dizer?] "sabe tudo" da arte como da técnica [não esqueçamos a técnica ou a da... "carpintaria"] de fazer um filme".

Falo de "Rio Bravo" de Hawks.

Tê-lo-á feito para contrariar a visão sombria e amargamente desencantada de Zinnemann em "High Noon" e fez, afinal, o filme que todos desejaríamos que pudesse ser o retrato fiel e final da realidade: da realidade da relação entre os homens e destes com a própria realidade---um filme-jogo, uma utopia existencial onde tudo é perfeito até as imperfeições [a morte, por exemplo, "fica extraordinariamente bem", no filme!]

Há, em Hawks [ao contrário do que acontece, por exemplo, com Tati de quem falo imediatamente a seguir] uma confiança natural, quase instintiva, na 'consistência epistemológica' [ou 'ontológica'] básica da realidade a que é, de facto, muito difícil resistir [desde logo, ao europeu que há, ainda, mau grado a... "Europa", em nós...] e que é, possivelmente, o grande contributo de "uma certa América" in/essencialmente impossível, interior e, em larguíssima medida, ideal para o património conceptivo universal.

Recordei e consolidei esta "impressão" de uma "felicidade ontológica" e "metafísica" natural em Hawks quando, há dias, relia uma entrevista desse mesmo Hawks a Andrew Sarris [cf. Andrew Sarris, "Entrevistas con Directores de Cine", ed. espanhola, Editorial "Magisterio Español", S. A. Madrid, 1972] onde, referindo-se ao seu "The Land of Pharaos" e especificamente à sua própria colaboração com William Faulkner, enquanto argumentista, diz ele:

"Hawks: [A Faulkner] agradou o relato de "The Land of the Pharaos" porque esses homens, as conversas que mantiveram entre si, as razões da sua crença noutra vida, o modo como realizaram as obras que levaram a cabo em resultado de crenças que hoje nos são difíceis de compreender, essa ideia da escassa relevância que assume a vida presente quando levada à comparação com a vida futura; tudo isso estimulava a sua imaginação---motivava-o essa ideia condutora [dos egípcios] de que o importante era assegurar-se de que o corpo do faraó encontraria um lugar seguro para repousar...

Pergunta: Durante séculos ou talvez...

Hawks: Durante uma eternidade, durante uma eternidade. Por todas essas razões, Faulkner era o homem indicado. Tinhamos uma grande afinidade de ideias. Era o homem indicado para dar-lhes corpo" [fim de citação].

Ora, aquilo que impressiona em "Rio Bravo" é algo de essencialmente similar, de intrinsecamente análogo ao que atrás fica dita pelo próprio Hawks, isto é, a crença natural, instintiva, tácita de que as acções humanas possuem uma direcção específica, intrínseca, própria de cada uma delas, capaz de conduzi-las, um pouco "malgré" até o próprio indivíduo, ao lugar preciso a que pertencem no conjunto orgânico da realidade; de que elas possuem um sentido final que, de algum modo, as transcende e, em última instância, significa; isso que o sempre muito robusto, muito... muscular cinema de Hawks comunica é algo que o europeu começava claramente a perder quando o filme foi feito e que o próprio cinema americano perderia, aliás, ele mesmo, muito em breve---algo que já era, talvez, só possível nessa "América", apesar de tudo, ainda capaz de momentos de perfeita 'sanidade existencial' e, de um modo geral, de uma 'consistência metafísica' que a Europa, repito, ia perdendo acelerada e, sobretudo, irreversivelmente e que alguns americanos de génio como o realizador de "To Have And Have Not" tinham, de algum modo, inventado, em grande medida "em negativo" ou comom "horizonte" a partir da observação crítica da História, como compete, de resto, às boas e cultu(r)almente esclarecidas, responsáveis, elites.

É por isso que é tão importante re/ver Hawks: por esse relance fugaz mas extremamente reconfortante que a sua obra em geral proporciona sobre um mundo desaparecido onde cada objecto [cada homem, cada sentimento, cada representação do real] possuía, como disse, um guia qwue o conduzia ao lugar exacto que devia possuir na realidade e----mais reconfortante ou mais tranquilizador, ainda---onde cada objecto [os gestos de cada um] sabia exactamente que o possuía.

Algo, pois, tão absolutamente perfeito como completamente impossível já não só como Tempo mas, de igual modo, como representação e cultura, visto, sobretudo, a partir de hoje...

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