terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

"«Presidencialismo Coisa-et-al»---Reflexões Pessoais Sobre Democracia a Partir de um Artigo de Vital Moreira no «Público»"


Um artigo de Vital Moreira no "Público" de 09.02.10 ["Presidencialismo superlativo"] vem mais uma vez à colação discorrer sobre o recente ulterior 'fechamento' ou 'afunilamento [anti] democrático' do actual regime político angolano.

É curioso observar como, sobre a questão deste [cada vez mais óbvio e escandaloso, aliás] 'fechamento' político, muitos dos que contra ele se insurgiram, em estádios anteriores [comparativamente menos gravosos, aliás] quando a orientação do MPLA seguia, mais ou menos de perto as pisadas de Moscovo parecem, entretanto, ter mudado radicalmente de posicionamento, fechando, hoje---tácita [quando não expressamente...]---na prática, os olhos ao mesmo em nome de interesses económico-financeiros muito fortes, marcadamente... petrolíferos e/ou diamantíferos.
Enfim, não é isso [o repugnante cinismo e a escandalosa hipocrisia do grande capital multinacional---"I soldi non puzzano", como diz um velho adágio italiano...] que aqui me ocupa, hoje, hoje mas sim alogo que se prende directamente com a crítica do autor do escrito do "Público" ao conjunto de, chamemos-lhes: 'reformas estruturais' introduzidas pelo regime angolano na sua própria estrutura institucional.

Introduzidas nele, sublinhe-se, em nome da tão decantada [e por Moreira mais uma vez trazida à colação] "estabilidade política".
Ora, a "estabilidade política" tem, pelos vistos, "as costas largas".

Serve para o regime do MPLA "filtrar" ["filtrar" em seu próprio benefício, entenda-se...] os grandes negócios transacionais dos minérios com os diamantes e o petróleo à cabeça e serve, "cá dentro" [onde elas são ciclicamente "pedidas" ao eleitorado] via maiorias absolutas, para introduzir internamente as tais "reformas impopulares" [mas---alegadamente---"necessárias" que uns quantos não se cansam de clamar não poderem ser tomadas sem as referidas "maiorias".

Pessoalmente até concedo [sem grande---sem nenhuma, sem nenhuma, de facto!---dificuldade, aliás] que certas dessas medidas, destinadas apenas a possibilitar ulteriormente um sistema económico-político des/estruturalmente desigual e intrinsecamente assimétrico que gera continuamente crises e que, em situações de inevitável 'crise' própria, penaliza invariavelmente os mesmos sectores e classes da população; pessoalmente até concedo sem dificuldade, dizia, que as medidas em causa não possam, efectivamente, ser tomadas sem a suspensão... "estratégica" regular de qualquer tipo de obstáculo institucional [leia-se: sem a remoção... "cirúrgica" da oposição em sede paralamentar] de tal modo são, em geral, gravosas para a maioria da população.

A questão não é, porém, de facto, essa: a questão, muito claramente é: se as tais "reformas" angolanas [essas como as que são 'democraticamente' reclamadas para supostamente operarem o saneamento do regime em Portugal] têm em comum o argumento da "estabilidade" e a redução, volto a referir, "estratégica" e, ao mesmo tempo, "cirúrgica", do poder efectivo de qualquer contraditório democrático---sem a intevenção determinante das oposições [o que vale por dizer: sem a muito "conveniente" eliminação ["empochement"] da 'constante democrática' essencial da "persuasão" substituindo a imposição, típica e tópica essa dos regimes não-democráticos]; se, dizia, entre o "caso" angholano e o português existe essa semelhança, a seu modo, fulcral mas num caso, o angolano, o expediente é "mau" enquanto que, no outro, o "nosso" passamos a ter [supostamente] um "bem", onde se situa, então, demonstravelmente a fronteira entre o 'bem' e o 'mal' em matéria de "músculo" decisional político?
Eu vou mesmo mais longe e pergunto: há realmente tal fronteira?
É verdade que, no caso angolano, o presidente da república é eleito em simultâneo com o parlamento e dispõe de dispensa institucional expressa, estatutária, de responsabilidasde parlamentar e que, no caso português, o poder legilsatiovo e o executivo se acham formalmente divididos, separados e entregues a órgãos de soberania distintos.

Não é menos verdade, todavia [e aí é que reside, aliás, em meu entender, o cerne da questão] aquilo que, num caso e noutro, se pretende ["democraticamente" ou "demoformalmente", num desses casos: o português] e "muscular" até um aliás expressamente admitido limite o mecanismo decisional, retirando-o ainda uma vez o repito: de forma "estratégica" à asclção estruturalmente democratizante do contraditório que obriga centralmente o poder a fazer vencimento pela força da razão [ou da lógica] e não, ao invés na razão [ou lógica] da mera força [dos números].

A minha resposta é, pois: por muitas voltas que lhe dêem os seus 'advogados' e propugnadores em geral, a verdade é que tal fronteira ente o "bom" e o mau "músculo decisional", configurando este "músculo" o processo [mais ou menos "democraticamente embrulhado", "wrapped", "packaged"] de contornar a necessidade democraticamente fundamental [vital, mesmo] de "convencer para vencer", pura e simplesmente não existe!

Não é uma questão de "quantidade" ou "grau": é uma questão de essência!
Ou seja: a democracia tem um "específico" que é, volto a dizer, a colocação daquela 'constante nuclear' "persuasividade" no centro de todo o mecanismo decisional.

Se assim não fosse, qual seria o papel do parlamento?

Um papel, em última instância, muito mais inorganicamente formal do que real e muito mais im/puramente "moral" do que determinantemente político, como entendo que deve acontecer nos regimes efectiva e genuinamente democráticos.

A essência da democracia [seja lá o que for que, no concreto, por tal cada um entenda] se a democracia tem uma essência e/ou um 'específico' e não passa de um mero instrumento de, como costumo dizer, "colagem" ou "ancoragem" completamente espúria e artificial da História a um modelo de exploração económica---um expediente para conservar a História das sociedades artificialmente imóvel no Tempo e refém daquele [como, de resto, em meu entender, sucede, de facto, entre nós] reside aí.

Mas esse não é o papel ideal da democracia: o papel ideal da democracia não é o de "explicar" por que razão a História deve imobilizar-se em torno de um modelo económico-financeiro---o papel ideal da democracia passa por integrar no próprio tecido vivo desta a liberdade para mudar a História quando os sujeitos desta entenderem que assim deve acontecer.

Vista como um "mero revestimento politiforme instrumental" do modelo económico, a democracia trai o seu papel social e politicamente dinâmico que é, na essência, o de responder perante as sociedades e não perante a economia destas, como agora sucede.

Por isso eu falo frequentemente de "sociedade inorgânica e inversional" [e/ou de "sociedade funcional"] quando me refiro àquela em que hoje vivemos.

Porque ela é, na realidade, "uma economia com uma espécie de envoltório funcionalmente 'político' em seu redor" e não, como deveria, legitimamente acontecer, uma sociedade orgânica [porque] "com uma economia no seu interior".

Uma democracia não é, pois, um sistema cujo 'conteúdo em política' responda perante ["despache directamente com", como se diz em bom... "burocratês"] uma economia à qual serve mas um outro que responde naturalmente sempre, em última mas verdadeira instância, perante o conjunto da comunidade, tendo na essência sempre em vista as legítimas aspirações individuais e colectivas desta e não aquelas que a economia enquanto tal dita.

Uma coisa---uma "figura teórica" e até, num certo sentido, "ideológica"---que sempre me escandalizou [e indignou] nos nossos sistemas políticos democapitalistas ocidentais é que envolve uma "felicidade económica" [uma "economia feliz"] susceptível de ser concebida não só independentemente como, sobretudo, determinmantemente em relação à felicidade da própria comunidade huimana como tal.

A ideia de que seja [como, aliás, está hoje-por-hoje a acontecer à nossa volta] necessário esperar pacientemente que o modelo ou paradigma económico se sinta "feliz" para podermos então nós mesmos aspirar a sê-lo também um pouco em consequência parece-me algo de monstruosa---de incivilizada e anti-cientificamente---mente des-humano na justa [ou melhor: in-justa!] medida em que assenta no princípio cientificamente aberrante de que um paradigma de civilização pode assentar em última análise na sujeição primária das leis físicas às leis económicas---o que é obviamente uma aberração conceptual e epistemológica.

A democracia tem de fazer a transposição ou translação epistemologicamente adequada das leis da realidade para as da Política: a democracia só pode, no limite, ser uma teoria da realidade e não um modo de impor teorias à realidade.

É desse modo absurdamente disfuncional [bizarro, sem dúvida, numa sociedade dita "do conhecimento"!] assente na ideia completamente disparatada de uma "independência" absoluta entre a Política e a própria Ciência; é, dizia, desse modo irresponsavelmente inorgânico e descuidasdo, irresponsável, de fundar e de "fundamentar" modelos civilizacionais e especificamente de "desenvolvimento" que aquela realidade se desconstrói e se destrói, em áreas que vão do ecológico ao social e deste ao político e ao cultu(r)al.

A ideia que como sociedade possuímos da democracia assemelha-se, diria eu, para terminar perigosamente a uma certa... cozinha muito caracteristicamente pós-moderna insuportavelmente pedante dita "de fusão".

De uma hipócrita, leviana, disfuncional, disfuncionante, suicidária e estruturalmente reaccionária "fusão" entre a Democracia e o seu contrário...


[Imagem extraída com a devida vénia de artcom.art.files]

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