terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

"Les Yeux Stériles"


Sempre fui, confesso, um apreciador deslumbrado do poema curto, directo, que se 'resolve' e, de algum modo, se consome ou se... devora a si próprio, ali mesmo, diante de nós, numa espécie de festim bárbaro cuja beleza selvagem tanto empolga e embriaga---como chega, apesar disso, a assustar; desses poemas-jóia ou poemas-estrela que, como um autêntico 'felino de ideias' projectando-se no ar directamente do pensamento de alguém, se 'acendem', de forma brusca, no céu profundo da nossa percepção e das nossas emoções, numa espécie de única triunfal explosão de luz---numa única atroadora labareda de sentido e significado.

Os grandes poemas são todos, de um modo ou de outro, carnívoros, acho eu.

Autofágicos e carnívoros, epigramáticos, embora, no caso destes minúsculos 'instantes de luz e de cristal' a que aqui me refiro, não dogmáticos nem sentenciosos como essa particular estrutura, muito disciplinada e arduamente minuciosa, poderia fazer com que fossem, por vezes, fortemente tentados a ser.

Ungaretti fez belíssimos destes poemas-objecto ou poemas-fruto, dessas miniaturas do pensamento e da emoção que se podem conter entre os dedos de uma mão fechada [de uma mão interior, em todo o caso feita das nossas próprias angústias e fantasmas de todo o tipo mas, também, dos nossos mais íntimos e secretos sonhos e anelos].

Ungaretti fê-los e Eugénio de Andrade, como Borges, na Argentina por exemplo, fê-los entre nós, também.

Fizeram-no os gregos e os asiáticos mas alguns dos mais belos fê-los esse poeta cristalino de luz e ilimitados céus meridionais que foi Paul Éluard.

Dele, aqui deixo, dando sequência à "Antologia Pessoal" iniciada com Brecht este soberbo "Les Yeux Stériles" da obra homónima de 1937.


Elle est comme un bourgeon
L'espace de la flamme
Candide elle a l' arôme
D' amoureux enlacés.

Paul Éluard


[Na imagem: retrato de Paul Éluard por Dali]

4 comentários:

  1. " Sê paciente; espera
    que a palavra amadureça
    e se desprenda como um fruto
    ao passar o vento que a mereça "

    Eugénio de Andrade


    Fui paciente e as tuas palavras desprenderam-se como um fruto ... que eu mereço :-)
    Eu sabia que quem pensa e escreve como tu, não podia desistir.
    " Vamos lá então a isto ", amigo Carlos. A Oeste de Zanzibar parece-me um óptimo destino!
    Paul Éluard é um excelente começo.
    Um beijo.

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  2. Um Belíssimo destino e uma viagem que promete ser uma aventura inesquecível.De rumo a oeste de Zanzibar, aqui vou eu...

    Um abraço, Ava

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  3. Olá, Ana!
    Olha: a "culpa" foi [também] um bocadinho tua, sabes?...
    Que 'isto', a gente tem, por vezes, dias que mais parecem... noites, não é, mas... "Felizmente, há.... Anas", parafraseando o título famoso do Sttau Monteiro...
    Quanto ao poema que citas, eu gosto muito do Eugénio, ham?
    É um poeta extraordinário, 'textualmente muito valente' que "arrisca tudo" em cada poema: que se entrega completamente no que escreve, criando connosco, com frequência, uma atmosfera de vibrante intimidade e de uma comovedora cumplicidade poética, uma e outra, absolutamente deliciosas, que são "muito dele" e que chegam, por vezes, a arrebatar e a empolgar pela delicadeza e pelo seu carácter seminal de vulnerabilidade e de incondicional entrega.
    É curioso que sendo "do" Porto, seja também tão "mediterrânico" e tão "translúcido", tão cristalino, tão "de vidro" e tão... "azul"...
    É, sob inúmeros aspectos [não sei se concordas comigo] um "irmão poético natural" da "grega" Sophia de Mello Breyner...

    Um beijinho e diz-me o que pensas disto e do 'resto'---do que te apetecer dizer e que é sempre bem vindo...

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