quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

"«Passagem por Lisboa», filme de Eduardo Geada"


Passou recentemente, no ciclo mensal que a RTP Memória está a dedicar ao cinema português.

Confesso que não o conhecia e que o vi, sobretudo, com alguma ternura e uma enorme vontade de apreciar e, no fim, "dizer bem".

De bem, digo que é, acima dfe tudo, um filme esforçado, simpático e carregando em si uma indisfarçável [e deliberadamente indisfarçada] paixão pelo Cinema.

A verdade, porém, é que ou por escassez material de meios para reconstituições específicas, ou por falta de ambição e coragem por parte do realizador-narrador para assumir integralmente a não-cinematicidade forçada do filme e, como fez, por exemplo, João Botelho em "Conversa Acabada", reinvesti-la numa opção estética e narrativa em si, autónoma ou, ainda, porque [a mais penalizadora das alternativas que, a mim pessoalmente, me ocorrem] porque a Eduardo Geada faltasse a inspiração de um Fellini para reinventar por completo essa magnífica personagem central do filme que é [ou podia ter sido] Lisboa---a Lisboa, a um tempo, sombria ["proibida", inconfessável ou, pelo menos, dificilmente confessável] secreta e fascinante dos anos de chumbo do nazi-fascismo e da II Guerra Mundial com as suas misérias, as suas vergonhosas cumplicidades mas também algum do encanto que, com a distância, pode ter ganho sobre tudo isso---fosse por que fosse, a verdade, dizia, é que o filme acaba por ser uma espécie de tele-filme falado em português [sobriamente representado por actores portugueses mas, sobretudo, pelos ingleses que lá figuram e que lhe conferem um indisfarçável, discreto e remoto mas muito consistente e eficaz toque de romance de Graham Greene].

Denuncia-o, desde logo, por exemplo, a saturação de "contre-plongés" francamente incómodos e francamente limitadores da fluência [ou, se assim se preferir dizer] da independência, da autonomia, do discurso narrativo.

Também aqui terá havido [houve, em meu entender, uma espécie de desaproveitamento inglório da possibilidade de reinvestir uma certa inevitável "obliquicidade" material, espacial, originalmente forçada, numa linguagem em si; num neo-expressionismo cuidadosamente repensado que soubesse tirar partido desse sentido, dessa geometria física do texto cinematográfico para induzir estilisticamente a sugestão de quanto o período [e o lugar] tiveram de tortuoso, labiríntico [indecifrável] inquietante e sombrio.

Em vez disso, optou-se pelo óbvio [os esgares, o secretismo de opereta ou de episódio do Poirot "à David Suchet", a anedota, o pitoresco "à major Alvega"...]

Fica, repito, o esforço e o projecto meritório de homenagear figuras referenciais como Pola Negri [cuja efígie verdadeira reproduzo acima] ou Leslie Howard [aqui, porém, a escolha do actor revelou-se particularmente desastrada: é, por exemplo, difícil imaginar mais clamorosa dissemelhança física entre o Tom Hardy e o verdadeiro Howard] e/ou, mau grado quanto disse, a cidade de Lisboa e um certo momento particularmente pouco claro da sua História recente.

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