No "Público" de 08.02.10, Ilda Figueiredo, discorrendo sobre "a república [e] o Tratado de Lisboa", lembra, a dado passo, um aspecto particularmente relevante da nossa História comum mais recente quando escreve: [...] a república rapidamente revelou os seus limites de classe e as mudanças [que trouxe ao ser implantada] não tocaram praticamente as estruturas económicas e as relações de propriedade [...]".
Não posso obviamente deixar de concordar com a deputada europeia.
O grande problema da História portuguesa é que, por um lado, as suas 'revoluções' mais recentes [a que derrubou a monarquia e a que ditrou o fim temporal do fascismo] muito mais do que verdadeiras revoluções protagonizadas de forma activa e consciente, organizada, pelo conjunto da sociedade portuguesa, acabaram sempre, de um modo ou de outro, por ser na realidade ajustamentos dentro de um capitalismo que andou sempre com atraso em relação à própria História mas, mais ainda do que a ela, que andou sempre com atraso em relação a si mesmo.
Não entendo eu que o 25 de Abril trouxe consigo alguma participação popular e que introduziu alterou, pelo menos, algumas modificações de verdadeira substância na estrutura institucional de poder, no País?
Claro que entendo!
O problema é que, no primeiro caso, a participação popular assumiu quase sempre forma persistentemente descentral e não-organizada [e menos ainda orgânica!] e que, no segundo, as mudanças introduzidas foram rapidamente reabsorvidas pelo próprio sistema económico pouco mais de um ano depois, regressando-se, desse modo, 'naturalmente', àquele cenário de mero e efectivo reajustamento do capitalismo a si mesmo que Ilda Figueiredo, muito lucidamente observa ao referir-se à passagem da monarquia à república em 1910.
A verdade é que eu penso mesmo que mais do que um 25 de Abril, existiram, na realidade, dois---e várias vezes o tenho repetido.
Houve um 25 de Abril militar e popular que pouco tempo [e escassíssimas condições--sociais e políticas] teve para se afirmar e consolidar] mas houve, também, um 25 de Abril do próprio sistema económico que só, como atrás recordo, um ano depois desse logrou impor-se e afirmar-se.
A este não interessam alterações de verdadeira substância no quadro das relaçõers de produção--e não é, por isso, por mero acaso, que, como recorda Ilda Figueiredo falando da implantação da república, elas, também neste caso, não ocorrem.
Porque aquilo que, na realidade, interessa às forças que triunfam no "segundo 25 de Abril" conduzido sobre o "caos criacional", na "fecunda des-ordem", possibilitados pelo "primeiro" não é mudar o sistema económico mas tão somente [i] alargá-lo libertando-o da apertada conta ou cintura corporativa que o fazia permanecer nas mãos de umas quantas "famílias" que da abertura em causa se protegiam com recurso a uma blindagem corporativa onde se situava o verdadeiro cavalo-de-batalha dos "modernizadores funcionais" do capitalismo sedeados no então P.P.D e no P.S.
Mas, cumulativamente, interessava a estas forças [2] retocar aquilo a que vulgarmente chamo o "revestimento politiforme funcional" do regime econmómico-financeiro não no sentido de realmente humanizá-lo e torná-lo substantivamente mais justo mas, na realidade, no sentido meramente 'técnico' de operacionalizá-lo e possibilitá-lo ulteriormente, "democratizando-o" formalmente de modo a torná-lo, afinal, na realidade, mais operante e mais eficaz do que com o fascismo.
Isto, como digo, por um lado; por outro, eu iria mersmo ao ponto de atrever-me a afirmar, abordando agora a mesma questão de outro ponto de vista complementar do anterior, que, muito mais do revoluções, houve, num caso e noutro, no da implantação da república como no do 25 de Novembro [o "tal 25 de Abril" sistémico, de mera reaproximação técnica do capitalismo a si mesmo e à História "em volta"] o cair de podre de um projecto de gestão social e política da sociedade portuguesa que havia, num caso como noutro, há muito deixado de caber na História, tal como ela existia já, na maior parte do mundo ocidental.
É esta espécie de "historicidade por descarte" e/ou sempre, de um modo ou de outro pela negativa, por absurdo [um termo que cabe aqui particularmente bem tendo em vista este modo de fazer... des-História entre nós por falta de envolvimento efectivo do conjunto da sociedade, nomeadamente das suas classes potencialmente revolucionárias...]; é este modo de [não] fazer [propriamente] História que substancia a minha própria ideia de um "pensar tanatópico" nacional como constante identitária, por assim dizer.
De facto, entre nós a História tende a "fazer-se a si própria" muito mais do que a ser feita propriamente por "alguém" com um verdadeiro projecto objectivo e subjectivo de mudança...
Este não é, em meu entender, pois, um problema circunstancial: a persistência com que ocorre faz com que se tenha já, há muito, convertido numa questão crónica e, sobretudo, tópica que nos identifica como "povo mental", se assim me posso exprimir.
[Imagem extraída com vénia de olhares.com/data/big]
Sem comentários:
Enviar um comentário