Maria Teresa Horta.
Uma das "Três Marias" que desafiaram a pudicícia santarrona e paroquial da ditadura.
Poetisa dos sentidos, a sua poesia explora, uma e outra vez, com extremo deleite [e uma exaustiva e material, quase táctil, minúcia] o corpo---sondando-lhe, muitas vezes, febrilmente os ângulos e desvendando-lhe ousada mas também quase candidamente [com a perfeita inocência do quase absoluto] os mais íntimos segredos e reservas.
É uma poesia seminal que se situa sempre altivamente, como diria Nietszsche, 'para além do bem e do mal' comuns, desafiando-os continuamente, numa estratégia "de lava e lume", como escreve num dos seus poemas---surpreendente e ousadamente a-geométrica constelação de cintilantes momentos de pura embriaguez e deliciosos venenos vigorosamente concêntricos, instantes verbais electivos, de puro vidro ou prata "com sabor a vitória", como também diz, e corajosamente arrancados de madrugada---numa férvida madrugada de madura luz---ao infinito e à cheia sede de que a sua paixão é liquidamente feita.
Eis de uma obra recente, "Só de Amor", dois desses momentos:
I
Que posso eu dizer
dos teus dentes
que a saliva não morda?
II
Para mim o
Para mim o
amor
fica-me justo
Eu só visto
a paixão
de corpo inteiro.
Oh Carlos, do que te foste lembrar? Maria Teresa Horta ... palavras que se liam às escondidas, ou não se liam mesmo.
ResponderEliminar"Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
se ter formado o afago
..."
Memórias de um tempo perdido, ensombrado pela falta de um valor essencial, a Liberdade.
Um beijo para ti.
'Lembrei-me' porque sempre tive um "fraquinho", confesso, pela irreverência poética [e pela coragem pessoal!] da Teresa Horta, independentemente do seu valimento poético que é, enfim, um pouco mais subjectivo.
ResponderEliminarMas escrever "aquilo", aquelas "coisas" terríveis em 1960 era, efectivamente, de uma coragem absolutamente invulgar e admirável!
Se nos lembrarmos, oh Ana, por exemplo, de como um livro como a tradução portuguesa do "Sex And Society" do Kenneth Walker, um livro espantosamente simples e lúcido, esclarecido, publicado pela Europa-América esteve, com a ditadura, longo tempo inacessível porque "fora do mercado", como então eufemisticamente se dizia e eu só o consegui adquirir, se bem lembro, na inestimável "Barata" da Av. de Roma---tive mais tarde e tenho o original inglês editado pela "Penguin"] e que um filme didáctico [tecnicamente muito mauzinho, aliás...] como o célebre [pelas piores razões!] "Helga" obrigou à criação de uma classificação especial de filmes até aí não-prevista ou melhor anteriormente revogada [para maiores de... 21 anos o que impossibilitou algumas mães de denanove ou vinte de o verem!...]; se, dizia, tivermos isso em linha de conta e presente, a decisão de co-escrever e publicar "As Cartas..." ou de assinar sozinha aquele ousadíssimo para a época "Minha Senhora de Mim" [até pelas irónicas conotações "marianas" foi, de facto, de uma coragem verdadeiramente inaudita!
Podem-se pôr maiores ou menores reservas à capacidade de a Autora se renovar e renovar continuamente o seu discurso poético [repito: o gosto é, em última análise, algo de essencialmente subjectivo, claro----EU gosto de muita coisa que ela escreveu] mas o lugar da Teresa Horta na Cultura portuguesa, esse, está já assegurado.
Um beijinho para ti também!
Carlos
P.S. Mas acabaste por não dizder se gostas da Poesia da Teresa...
Claro que gosto! Mas , em especial, pela coragem do que era dito. Eram palavras proibidas , as que ela escrevia, e nesses anos o que era proibido era fascinante... e muitas vezes com razão!
ResponderEliminarA livraria do sr.Barata, ... ali mesmo em frente à casa onde eu vivia, era um paraíso de onde podiam surgir as maiores maravilhas. Oh Carlos, para que me fazes lembrar isto?
Porque "recordar é viver", não é?...
ResponderEliminarTAMBÉM é...
E quantas coisas eu comprei no "Barata" [e, na Galeria 111, ao Campo Grande, junto ao Colégio Moderno e noutros sítios como no Sacramento dos livros, na Rua do Alecrim, eu sei lá!]
Um dia, comprei [não sei se foi no "Barata"] um volumezinho com textos de Marx e Lenine e ia tão interessado que, quando entrei para as aulas, o pus em cima da secretária, por acaso, com a lombada onde estavam os nomes do Marx e do Lenine] virada para a turma.
Aconteceu que uma das alunas passou a noite [eram aulas da noite, na "Anselmo", em Almada] a fazer-me gestos e eu sem perceber minimamente a ideia dela, muito parvo, a olhar para todo o lado até que, por fim, lá percebi e, claro, andei uns dias ou semanas ou talvez meses preocupadíssimo!
Essa moça, a Lena e o marido, o Arménio, viriam, depos, a ser dois excelentes amigos em casa dos quais passei parte do primeiro 1º de Maio em liberdade, festejando com gambas e cerveja!
A outra parte, passámo-la no campo do Cova da Piedade onde se reuniu um grupo enorme de pessoas vitoriando o fim da ditadura!
Bons tempos e boas recordações, como dizes!...