Ele há, de facto, coincidências verdadeiramente impressionantes!
Desde muito jovem que, para mim, o Cinema "'é", em larga [embora muito discutível e/porque, também, muito subjectiva!] medida, admito, "Mon Oncle" de Tati.
"Mon Oncle" e, vá lá, essa prodigiosa "ópera visual" também tatiana que é "Playtime", o filme que destruíu Tati, incapaz de cobrir os gastos astronómicos implicados pela edificação da sua visionária e genial "Tativille".
O tema de "Mon Oncle" é a Morte---mas eu pessoalmente nunca vi, confesso, a Morte tratada com aquela elegância, aquela espantosa dignidade, aquele contido e amargo [mas nunca ressentido ou mesmo remotamente mais agreste!] estoicismo e aquela delicadeza!
Para mim, "Monsieur Hulot" não apenas iguala, sem qualquer dúvida, o melhor Chaplin, como em muitos aspectos, o deixa mesmo para trás em profundidade e rigor.
Hulot é um estóico que pensa, um admirável "D. Quixote du XIIIème".
A sua luta é, de facto, uma quixotesca batalha antecipadamente perdida contra a irreversibilidade cega e materialmente incontrolável do real---de onde resulta que toda a organização ou arquitectura, até física, do cómico tatiano [essa patética permanente subtilíssima "danse macabre" do homem---do "espantalho"? Da "marionette"?---que oscila e se desintegra figuradamente a cada passo, dessapossado já de qualquer forma de propriedade ou controlo sobre a matéria---a começar por aquela de que é composto o próprio corpo, meio devorado ou meio consumido já pelo "Tempo"]; o cómico tatiano, dizia, possui, assim, uma âncora objectiva na própria realidade, algo que todos podemos, sem dificuldade, identificar porque ela está, afinal, à nossa volta, em cada esquina das nossas cidades materiais, físicas, exteriores mas, sobretudo, das interiores e íntimas.
O cómico tatiano é também fisicamente um cómico do absoluto desespero---do "égarement" delicadamente polido de modo a parecer a assunção autónoma de uma 'atitude' em si; define-se por uma orgulhosa mas completamente falsa compostura e fingida indiferença, por uma apenas aparentemente triunfante "insouciance" de postura, quer física, quer mental, onde se lêem, porém, já claramente [quem sabe e está disposto a fazer tal leitura!] os sinais evidentes do fim.
Chaplin tentou em Calvero fixar a imagem final do "clown triste" ou mesmo "trágico" que já estava, aliás, à data completamente consagrada em "bonecos" geniais seus como o "violinista" de "Charlot Violinista" e que Leoncavallo em "I Plagiacci" [recorrendo à mediação intelectualizante da Música por meio da qual evita inteligentemente ficar de todo refém do cliché] e Fellini em "The Clowns" [num filme que é incomparavelmente mais sobre Fellini e os fantasmas errantes e recorrentes de Fellini do que sobre os "clowns" ou outra coisa qualquer, como é, aliás, bem característico do próprio Fellini] para citar apenas estes dois, abordaram sem lograr, ainda assim, conferir-lhe [a meu ver, pelo menos] essa melancólica qualidade inquietantemente final de termo de época, física e mental, que lembra o 'cabaret' berlinense [que Christopher Isherwood retratou no seu "Good-Bye To Berlin", re/feito, como se sabe, em filme por Bob Fossse no seu "Cabaret"], "Der Blaue Engel", Fritz Lang, "Der Letzte Mann", Emil Jannings, os Mann, Thomas e Heinrich [de uma obra do qual "Professor Unrat" saíu, aliás, o argumento do filme de Joseph von Sternberg], Brecht, Valentin, Piscator, Marlene e as canções de Marlene que são, para nós [para mim, com certeza!] algumas das portas de entrada electivas para um mundo decadente e crepuscular, de algum modo, possivelmente semelhante, pelo registo de fatal irreversibilidade e morte impendente ao que Tati retrata em "Mon Oncle" ["Playtime" é já um filme de "sci-fi", uma "ópera futurista" de partitura minimal---um "deserto" ou "wasteland fónicos e humanos" passada num tempo em que a humanidade se extinguiu já por completo e os robots como em "Blade Runner" de Riddley Scott tomaram já o poder].
Até por isso, "Mon Oncle" é um 'documento' extraordinário: por essa possibilidade que nos dá de vermos e conhecermos o rosto desse outro "letzte der Männer", "Hulot Roi" [por analogia com o Ubu Roi, de Jarry], no exacto momento em que ele se prepara para deixar este mundo, abandonando-o por completo aos robots.
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Então e não é que o "Público", que anda recentemente a reeditar em DVD uns quantos filmes que vale seguramente a pena [re] conhecer, se lembrou de pôr no mercado o "meu filme" no próximo dia 12, em que faço anos?
Agora, digam lá se há ou não há coincidências verdadeiramente extraordinárias?!
Coincidências extraordinárias mesmo ! Olha... fui comprar o DVD e logo vou revê-lo , com a ajuda dos teus comentários ... e para festejar o teu aniversário :-)
ResponderEliminarMuitos parabéns, Carlos! Um abraço bem grande.
Ana